No interior do Nordeste ainda são bastante comuns as festas do santo padroeiro, onde as localidades param para honrá-lo. Melhor ainda é quando os festejos são no mês de junho, coincidindo com as quadrilhas de São João, como na festa de São Paulo Apóstolo, que é celebrada em 29 de junho – mesmo dia de São Pedro.
No pequeno povoado de São Paulo do Itaquarioca é missa festiva e a igreja está lotada, as pessoas se aglomeram e muitas outras estão no lado de fora.
Enquanto o padre não chega, a senhorinha de cabelos brancos sentada no banco do corredor comenta com uma outra senhora não menos idosa:
Mundinha, tu ouviu falá qui a fia do Zé do finado Luiz Situba fugiu cum rapaizim novo da prefeitura, aquele galeguim dos zói verde?
É nada, muié de Deus!
Tô dizeno! Parece até qui teve bucho no meio, tava inté de seis mêis já, pela forma do bucho, deve sê uma minina...
No mesmo instante o padre chega, acompanhado das suas carolas e beatas, uma mais “dedicada” que a outra:
Padre Chiquim, o sinhô num qué as estola?
Não, dona Zefinha, eu já trouxe elas aqui, obrigado.
Mais o sinhô num qué que eu traga as estola mesmo não?
Dona Zefinha, eu já disse, eu trouxe as estolas comigo, estão até na minha bolsa.
Mais o sinhô pode ter si isquicido, padre!
Aí a outra beata interfere:
Cumade Zefa, dêxe di sê besta, num tá vendo qui o padre num qué qui os pessoal fique pegano nas estola dele?
Não é isso, dona Mariquinha... – tenta se defender o padre.
Padre Chiquim – agora é Dona Mariquinha – o sinhô num qué qui eu pegue as estola pro sinhô?
“Jesus amado, é hoje!”, pensa o padre Chiquinho, suspirando e olhando para o céu.
Enquanto isso, num dos bancos que ficam perto da porta de entrada, um garoto pergunta para a catequista (uma menina nova, não deve ter mais de dezesseis anos) algo sobre a imagem de São Paulo:
Ô tia, por que o santo segura uma espada cuma mão e um livro ca ôtra?
Ao que a moça, toda pimpona, responde:
Ora, é pusquê Sum Paulo, pra invangelizá, matava aqueles qui num quiria si convertê pra igreja!
Ah...
E como ele mesmo dizia que “quem cum ferro fere cum ferro será firido”, ele morreu quando uns home do imperadô...
...Qui imperadô? Aquele jogadô?
Não, minino! O imperadô romano! O santo foi morto pelos home do imperadô por causa da espada qui ele num soltava!
Tá, mais e o livro?
É pusquê antes o santo era iscrivinhadô di livro. Tá sastifeito?
Tô sim, tia!
A missa finalmente começa, o padre faz as orações iniciais e, enquanto muitos estão prestando atenção nos ritos católicos, outros estão mais entretidos com a vida alheia. Um vigia do posto de saúde, que aproveitando que estava de folga e foi à igreja, se vira pro primo sentado no banco de trás e comenta:
Cumpade Antôim, esse padre aí num sei não...
...Num sei não o quê, home di Deus? – Seu Antônio já se impacienta.
Num sei não, mais esse padre Chiquim pra mim é baitola!
Num diga esse nome fêi no mêi da missa, criatura!
Ora, tu vai mim dizê que tu num sôbe das história desse padre na antiga paróquia dele?
Rapáiz, isso é fofoca, tu num sabe qui a negada daqui num véve sem falá dos padre qui vêm pra cá?
Cumpade Antôim, ó o jeitim desse Chiquim! Todo delicadim, todo chêi di frescura... “Chiquim”... Isso lá é nome de padre?
Cumpade Mané, mi dêxe vê a missa!
Tá bom, cumpade, tu é muito é zangado!
E a missa acontecendo, até que...
Cumpade Antôim...
Quê qui foi?
Eu digo qui o padre é baitola...
Num fale esse nome, fi de Deus!
Ele é isso mesmo aí sim, pois o povo tá dizeno por aí qui aquele rapaizim novo da prefeitura foi simbora pra Brasília pra dipois o padre fugir e si incontrá cum ele lá!
O outro que está sentado ao lado do vigia se intromete:
É aquele galeguim dos zói azu?
Sei lá, pra mim era uns zói mêi amarelado, mais é sim, é o rapaizim novo da prefeitura, ele tá de caso cum padre Chiquim. O pessoal diz qui viu eles dois na beira do rio, bem na curva.
Ô vocêis dois – esbraveja Seu Antônio – si num gostam do padre, pusquê num vão simbora logo? Eu quero é vê a missa!
Na mesma hora, na porta dos fundos, Miguelina, uma professorinha de vinte e tantos anos, bonita não só de rosto como também de corpo, mas com uma cabecinha vazia, faz a seguinte observação à D. Carminha, secretária da paróquia:
Dona Carminha, mulher de Nossa Senhora, esse padre é tão gostoso...
Lina, mulher, olha o respeito! Estamos na casa de Deus, respeite o padre!
Ora, que culpa tenho eu se o padre tem um jeitão de macho? Parece até ator de novela das oito!
Lina, Lina...
Dona Carminha, a senhora não sabe da nova: não tem a filha do dono da oficina da rua de cima?
A menina do compadre Zé Setúbal? O que houve?
Ora, ela sentiu a “pegada” do padre Chiquinho, os dois foram vistos no carro da paróquia, pertinho pertinho da curva do rio! Dizem que o Seu Zé do finado Luiz Setúbal mandou ela lá pra Brasília, pra casa de uns tios, pois ele ficou com vergonha de ter descoberto que a filha engravidou do padre...
No momento em que celebra a missa, padre Chiquinho sequer imagina que estão falando várias coisas a seu respeito, e crê inocentemente que todos os fiéis estão na igreja para honrar a pessoa de Saulo de Tarso, o grande apóstolo São Paulo, além de louvar o Senhor.
Porém, muitos desses fiéis vão à missa tão somente para fazer fuxico da vida alheia, nunca serão cristãos de verdade. E muitos vão à igreja sem ter o mínimo de noção sobre a vida dos santos ou o respeito à celebração eucarística. É como disse o Pe. Antônio Vieira:
"Antigamente, batizavam-se os convertidos; hoje é preciso converter os batizados".
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(23 de novembro de 2011)
2 comentários:
Vergonha!
Nem mais. Só para não dizer os que cometem um grave pecado ao irem comungar sem se terem confessado previamente, indo receber a óstia cheios de pecado... São tantos, parecem bois em manadas... onde foi que a Santa Igreja falhou?
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